O cenário de consumo de vídeo no Brasil acaba de registrar uma virada significativa: pela primeira vez, a “tela grande” (ou seja, a tv conectada) superou o celular como principal dispositivo para assistir a vídeos na plataforma YouTube no país.
Segundo dados da empresa de medição Kantar IBOPE Media, apresentados durante o evento anual da YouTube no Brasil (e divulgado pela CNN), o “Cross Platform View” evidencia que, entre pessoas com mais de 18 anos, a participação da televisão conectada subiu de cerca de 41% para 53% em apenas três anos. Além disso, mais de 80 milhões de brasileiros já assistem ao YouTube em TVs conectadas (uma marca que reafirma o protagonismo da sala de estar na experiência digital).
Essa mudança de hábito não é acidental, mas resultado de uma transformação cultural e tecnológica que reposiciona a televisão como espaço central do entretenimento. Ver vídeos em uma tela maior transforma o hábito individual (assistindo no celular) em algo mais social, com a família ou amigos reunidos. A TV conectada assume o papel de “hub” da casa. Nesse contexto, os criadores passaram a adaptar seus conteúdos para o formato de tela grande, com produções mais elaboradas, ênfase em qualidade visual e narrativa mais envolvente.
A diretora da YouTube para a América Latina, Patricia Muratori, reforçou que os criadores se tornaram verdadeiras startups do entretenimento. Eles constroem relações autênticas com seus fãs e ocupam um espaço antes dominado por canais de televisão tradicionais. Essa autenticidade, somada ao engajamento, ajuda a impulsionar o consumo na tela grande. Cada vez mais, os vídeos produzidos para o YouTube têm linguagem cinematográfica, ritmo narrativo mais denso e apresentação voltada para o consumo coletivo.
Mas não é apenas o tipo de conteúdo que mudou. A forma de monetizar e interagir também evoluiu. Com a expansão da TV conectada, o YouTube anunciou a chegada ao Brasil do recurso “Shoppable CTV”, que permite que os usuários comprem diretamente pela tela enquanto assistem. Essa integração entre conteúdo, publicidade e consumo cria novas possibilidades para marcas e anunciantes, que agora podem explorar o potencial de engajamento em um ambiente mais imersivo.
Para criadores de conteúdo, isso significa uma mudança de paradigma.
O foco deixa de ser apenas o vídeo curto, vertical, feito para o celular, e passa a valorizar também conteúdos que funcionam bem no contexto da sala de estar. Criadores que souberem adaptar seu estilo à experiência da TV conectada poderão ganhar em alcance, retenção e reconhecimento de marca.
Do ponto de vista das marcas, o momento exige uma reavaliação completa das estratégias de mídia. Publicidade pensada para a tela pequena pode não funcionar na tela grande. A criação de peças mais elaboradas, integradas ao ambiente da TV, pode gerar melhores resultados e conexões mais profundas com o público. Além disso, a possibilidade de interação direta transforma a sala de estar em um novo ponto de conversão.
Essa transição traz também impactos sociais relevantes. O tempo de mídia antes fragmentado entre diversos dispositivos volta a se concentrar no espaço comum da casa. Famílias assistem juntas, comentam, interagem. Essa nova forma de consumo reconfigura a relação com o conteúdo e reforça a ideia de que a TV, mesmo conectada, ainda tem papel afetivo na vida das pessoas.
Para o ecossistema digital como um todo, essa virada representa uma oportunidade e um desafio. A oportunidade está em oferecer experiências mais completas, integradas e com maior valor percebido. O desafio está em entender como mensurar corretamente a audiência multitelas, adaptar formatos e garantir que a experiência seja fluida independentemente do dispositivo.
Não se trata apenas de uma tendência pontual. Trata-se de uma mudança estrutural. A TV conectada não é mais coadjuvante. É protagonista.