O que as Olimpíadas nos ensina?
Eu ando trabalhando muito em casa. Desde 2.020, com a pandemia e minha vida dividindo atenções com o tratamento, acabei mergulhando no home-office. É legal trabalhar em casa. Mas neste ano estou tentando trabalhar mais fora.
Com os trabalhos em casa, acabei acompanhando demais os Jogos Olímpicos Paris 2024. Foi uma delícia mas é convite, motivo e desculpa para prática da procrastinação.
Eu acompanhei de certo ponto a de Toquio 2020 que foi disputada em 2021. Mas obviamente por causa do horário e por ter pego o final da minha recuperação da cirurgia a deste ano acompanhei bastante.
E as Olímpiadas de 2024 que chegou a seu fim nos traz algumas outras reflexões além do entretenimento da competição em si.
Entrevistas
Sempre no final de uma partida, luta, competição, tem o repórter da emissora, no caso o Grupo Globo, detentor dos direitos de transmissão, para colher a entrevista.
E diferente do futebol onde o script do entrevistado e do entrevistador já está feito, nas Olimpíadas em sua maioria, é um pouco diferente. As entrevistas tem sempre um algo a mais.
Na derrota ou na vitória o competidor traz elementos diferentes, mais humanos, desprendidos de discurso pronto. Eu acho que o competidor olímpico tem uma história de vida e luta na modalidade árdua e de dedicação.
Em paralelo com o futebol que acompanho diariamente, a estrutura do esporte bretão está pronta. A maioria dos esportes olímpicos a ralação é intensa e na maioria das vezes estruturas discutíveis.
Os depoimentos tem sempre elementos mais humanos, emocionantes. Sempre tem uma história de vida pregressa, um histórico árduo de treino. E o fato do repórter está na “boca do gol” em toda competição, acaba registrando muitos momentos.
A judoca Bia Souza dedicando a vitória para a avó, o Willian Lima pedindo desculpa pela prata, A Mayra Aguiar pedindo um abraço pro repórter Marcelo Courrege após a derrota.
A ginasta espevitada Flavia Saraiva narrando o seu tombo no aquecimento, o desabafo da Ana Patricia do Vôlei de Praia, a decepção das meninas da Ginastica Rítmica, até a espontaneidade da Rebeca Andrade falando que estava pensando em receitas de comida antes de suas apresentações, o depoimento emocionante da Thaisa do Vôlei comunicando o fim do seu ciclo na seleção, o possível adeus do José Roberto Guimarães e por ai vai..
A Olímpiadas traz ingredientes diferentes. A dedicação é enorme. Um brasileiro na Canoagem não foi para a final por causa de um décimo. Você imagina se dedicar ao treinamento exaustivo e por causa de um décimo você não continuar na competição. O medalhista de bronze Allisson dos Santos se classificou para a final por centésimos.
A própria Rebeca Andrade conta que no começo da sua carreira, todo o santo dia, criança, ia a pé para o ginásio em Guarulhos e para chegar lá eram duas horas de caminhada. Aliás, a ginasta é de um projeto social da cidade.
Diretamente de Cidade de Deus, Rafaela Silva passou perrengues. Racismo, contusões, doping e em Paris perdeu no individual e o destino fez com que ela fosse sorteada para ser a lutadora da luta final do Judô por equipes. E a vitória dela deu o bronze para o Brasil.
Toda essa luta para chegar no topo ou quase chegar e perder traz muita humanidade para os depoimentos. E tudo isso causa identificação. Parece que fica mais próximo das realidades da vida. Ou da vida de cada um. Existe uma espontaneidade maior. Aproxima o atleta humano da gente.
Referência e Reverência
Me chamou a atenção a relação de admiração da Simone Biles com a Rebeca Andrade. A Simone Biles é a maior ginasta do mundo de todos os tempos. Ela viveu com seus avós adotivos uma vez que sua mãe, viciada em drogas, perdeu a sua guarda. Tem uma história forte de vida. E foi deveras julgada em 2.021 quando trouxe o tema saúde mental para o topo.
E em vários momentos, a Simone fala da Rebeca com admiração, respeito. E isso, claro, ficou mais explicito com o movimento de reverência no pódio das duas americanas.
E uma das cenas mais marcantes é a Nadia Comanecci do nada aparecer para cumprimentar a brasileira. A romena mudou o patamar da ginástica. E tudo isso com 14 anos em 1.976. E reverenciando a brasileira.
É diferente o que essa Rebeca Andrade faz e causa por aí. E só com 25 anos.
Vendo entrevistas da ginasta brasileira Lorraine Oliveira, é muito legal de ver a idolatria dela com a Daiane dos Santos. A ginasta que agora é comentarista é referência para as atuais medalhistas da Ginástica Artística.
Após a prata do futebol feminino, na internet acompanhamos muitas manifestações de várias jogadoras dos EUA reverenciando a Marta. Eu não tenho conhecimento de nada disso. Mas é impressionante como as pessoas falam que a Marta mudou o patamar do futebol feminino mundial.
Acompanhando os especialistas, eles cravam que não existisse Marta, a chance do futebol feminino brasileiro nem ao menos existir com alguma estrutura mínima seria muito grande. Ela é seis vezes melhor do mundo!
Para vocês terem uma ideia, em 2.004 quando a Marta ganhou a prata, praticamente não existia campeonato nenhum no Brasil. Tanto que ela teve que ir jogar na Suécia. Imagina se o futebol feminino tivesse uma estrutura um pouco parecida como hoje, desde o seu surgimento aqui no Brasil, com certeza as performances seriam melhores.
Assistindo neste domingo uma entrevista do José Roberto Guimarães, ele disse que dentre todos os elogios que um multi-campeão como ele recebe, o que mais toca ele e agradecimentos por ele representar o Brasil. Ele sente orgulho disso e se emociona mesmo na sua quinta medalha.
Vivendo e aprendendo.
Quadro de medalhas feminino
Brasil ganhou 20 medalhas. 12 femininas e 7 masculinas e 01 mista. Dentre os esportes coletivos, o o bronze do vôlei e a prata do futebol das mulheres. Dos três ouros, todas foram conquistadas pelo gênero feminino.
Não é papo lacrador. É muito irritante você falar algo e as pessoas transformarem pautas humanas em discussões políticas.
Mas para mim é emblemático as mulheres liderarem nosso quadro de medalha em um país que é um dos líderes no ranking mundial de feminicídio e crime de estupro.
E a frase que está rolando por ai é boa hein “Na festa de segunda-feira em Paris, meninos tragam o salgado, meninas as medalhas”.
E quem está do outro lado?
Quando Rafaela Silva perdeu a luta em Londres-2.012, a judoca sofreu ataques racistas de todo o lado na internet. “Lugar de macaca não é nas Olímpiadas e sim na jaula”
Após ganhar o ouro em 2.016 no Rio, Rafaela Silva respondeu “Esta medalha é para todos os que disseram que eu tinha que estar numa jaula”
Após a derrota em Toquio, Ana Patricia do Vôlei de Praia sofreu ataques diversos de haters. Até ameaças de morte!
Após a conquista da medalha de ouro, ela desabafou. Tava engasgado.
A internet facilita muito minha vida mas ela se transforma em alguns momentos somente no “mal necessário”.
Quem agride os outros na internet, esquecem do detalhe mais importante – O próprio Ser Humano.
A sensação que dá é que as pessoas não percebem que o atleta, a figura pública, o alvo são seres humanos. Parece banal a constatação mas não é. O agressor não pondera sobre isso. Ele dispara aleatoriamente!
E esquecem completamente que as pessoas atacadas tem pais, avós, maridos e esposas, tios e tias, primos e primas e principalmente, filhos e filhas.
Imagina algum parente da Rafaela Silva lendo ela sendo xingada de macaca e que o lugar dela é na jaula?
Imagina a mãe ou avó da Patricia lendo que queriam matar ela?
Nestas Olimpíadas, a polêmica da boxeadora argelina Imane Khelif trouxe várias revelações. E de pessoas próximas até do nosso alcance. O discurso de ódio tomou conta da rede.
Uma “amiga” no facebook postou um desenho da argelina, que é oficialmente declarada mulher cisgênero e não transgênero, com testículos. Uma postagem de uma mulher de um ódio absurdo. E de vários outras pessoas, amigos que se acham generalistas. Conhecedores de todos os assuntos
A gente esquece que a própria Imane Khelif tem acesso as redes e presencia tudo. A declaração do pai dela para algum jornal é de cortar o coração. Fico imaginando os familiares da argelina olhando todas as mensagens..
Falta de conhecimento gera muita injustiça e hipocrisia. A turma transita por todos assuntos do mundo e deixa de lado um detalhe primordial nos compartilhamentos, nas escritas, nos ataques – A Humanidade.
Paris 2024 trouxe entretenimento, diversão, torcida, emoções, ensinamentos e reflexões.
Quinta passada fui no Circênico e me falaram que a procura para exercícios similares a ginástica tinham aumentado muito. O Instituto Diego Hipólito teve milhares de novos inscrições para a Ginástica.
O legado é esse. A maioria dos atletas olímpicos são de projetos sociais, bolsa atleta entre outros.
Não existe legado de caráter mais importante senão a prioridade e transversalidade de Esporte-Educação-Cultura feita por qualquer Poder Público. Viaduto não forma ser humano, não cria identidade e pertencimento.
Bom, mas agora os Jogos Olímpicos acabaram! E com ele todo o motivo e desculpa para a procrastinação.
Voltemos ao trabalho! L.A. 2028 é logo ali!!