O Dia que eu conheci o Rock …foi quando ele morreu  – Nelson Metralha

O Blog do Moraes traz o primeiro capítulo da história do crítico Nelson Metralha! Fatos e personagens reais da música serão misturadas por alguns personagens fictícios comandados por Nelson Metralha.

O Dia que eu conheci o Rock …foi quando ele morreu  – Nelson Metralha

São Paulo, 03 de fevereiro de 2.024.

Esse velho roqueiro que vos fala está completando 80 anos hoje .

E quanto mais velho ficamos, mais nostálgico e saudoso nos transformamos. As lembranças da vida estão afloradas.

1944

Nasci no ano de 1944. Meu pai me contava que na hora do meu nascimento, ele ouvia no rádio que os Aliados estavam se articulando para tornar o que foi o Dia D na Segunda Guerra Mundial.

Ele falava aos quatro ventos para todos “nasceu no meio da notícia de quem bons ventos sopravam para o fim da guerra. Nelsinho trouxe a esperança do começo do fim da guerra”

Meu pai adorava música e estava encantado com o sucesso de Nelson Gonçalves – Noite de Lua do ano de 1.943. Ele dizia que me concebeu ao som do sucesso do Metralha, do Rei do Radio, do Boêmio.

“Vem e saberás
Como eu te quero, ó flor
Ó vem depressa
Que eu te quero amar
Para de novo te beijar”

Ele também dizia que minha mãe não resistia com esse verso do Noite de Lua.

Não deu outra. Quando nasci me batizou com o nome do ídolo – Nelson!

Cresci ouvindo os sucessos de Carmem Miranda, Dorival Caymmi, Linda Batista, Francisco Alves, Isaurinha Garcia, Aracy de Almeida, Emilinha Borba e por ai vai.. Fui crescendo e nos anos 50 eu comecei a ouvir Cauby Peixoto, Carlos Gardel, ainda as rainhas do rádio e claro, o meu xará e ídolo maior da família Nelson Gonçalves.

A Jandira, minha doce mãe não ligava para a música, mas adorava o entusiasmo de papai. O Velho Nestor, esse sim adorava música, todos os estilos. Quando eu tinha 05 anos ele me mostrou Luiz Gonzaga – O Velho Lua  –  para completar um gênero que não conhecia.

Mas um estilo ele não engolia – o tal do Rock!  Ele dizia que o tal do rock ´n roll com seu maior representante Elvis Presley, não era musica de verdade e estava prejudicando a velha e boa música…

Por isso, o rock não entrava na minha casa, de jeito maneira. E para não causar conflito, eu evitava ouvir. Eu me dava tão bem com ele, gostava de tanta música que ele mostrava que para mim estava bom.

1.959

No dia 03 de fevereiro de 1.959, era dia do meu aniversário de 15 anos. Nestor e Jandira já avisara que teríamos apenas um bolinho. O dinheiro estava curto.

De manhãzinha o Velho Nestor já partia para o trabalho.  Pego o radinho da Jandira e coloco nas ondas do rádio da época.

A primeira noticia é que a cantora Maysa era a primeira mulher brasileira a cantar em canal de televisão com a música “Meu Mundo Caiu”. A Rádio também noticiava a conquista do Campeonato Mundial de Basquetebol pela seleção brasileira em Santiago no Chile.

Ai do nada entra uma notícia urgente Acidente de avião mata os cantores  The Booper, Buddy Holly e Ritchie Valens – três ídolos do rock ´n roll atual”.

Eu fiquei extasiado com a notícia. Como que de uma vez morre três ídolos. Mesmo eu não conhecendo rock por imposição do Velho Nestor, eu fiquei abismado com a situação de que alguém possa ter perdido três ídolos de uma só vez.

O dia inteiro fiquei escutando músicas dos três roqueiros e confesso que o ritmo me pegou em cheio. Porém um detalhe eu estava esquecendo…

E quando o Velho Nestor chegasse como eu ia contar para ele que o rock ´n roll tinha me fisgado de vez?

O tempo ficou nublado. Aquele tempo fechado e essa noticia triste da morte dos três ícones do rock do momento dava um tom sorumbático para o final da data do meu aniversário de 15 anos.

Ai a chuva começou no final da tarde.  Por surpresa de minha mãe e minha, o Velho Nestor não apareceu aquele dia. Ele era um vendedor de terrenos no litoral e já aconteceu que se o tempo não estivesse bom ele dormia na Baixada Santista. Deveria ser isso..

As 8 hora da manhã do dia 04/02, tio Juarez, irmão do meu pai,  chegou em casa. Muito cedo para uma visita.

Quando acordo, veja a Jandira com a cabeça na mão, olho cheio de lágrima e simplesmente atônita. Tio Juarez veio comunicar a morte do Velho Nestor que tinha se envolvido em um acidente na serra do litoral.

Perdi o Velho Nestor no dia do meu aniversário de 15 anos. Justamente no dia que ele partiu, eu encontrei o rock ´n roll. Parecia até provocação com ele que não gostava do rock, mas foi somente uma triste coincidência.

Meu mundo caiu naquele dia 03 de fevereiro de 1.959! Os dois acontecimentos deste dia mudariam minha vida completamente.  Deram o tom do meu futuro!

 1.961

Após a morte de papai, eu e Jandira mudamos para o Rio de Janeiro. Minha mãe era de lá e toda família dela estava lá.

Lá cai da cabeça no rock ´n roll. Elvis, Chuck Berry, Little Richards, Jerry Lee Lewis. Aqui no Brasil Tonny e Celly Campello e Sergio Murilo dava o tom do rock ´n roll tupiniquim.

Para mim era tudo novidade! Minha cabeça estava há milhão com o rock.

Mas duas figuras foram divisor  de águas para mim – Carlos Imperial e seu Clube do Rock e o Hello Crazy People –  Big Boy.

Carlos Imperial

Ai acabou! Eu só pensava nele – No rock ´n roll.

“Já endemoniado pelo rock ´n roll, Newton um pacato professor de Geografia se tornou D.J. na Radio Mundial em meados dos anos 60. Quando o professor Newton assume a alcunha de Big Boy, ele só apresentou  para o Brasil um certo quarteto de Liverpool… “

Big Boy

Quando ouvi Beatles pelo Big Boy ai estava de quatro totalmente pelo rock ´n roll. Ai veio a invasão britânica, Stones,  Beach Boys e a Jovem Guarda com Tremendão e Rei Roberto.

“A Jovem Guarda não foi uma onda, foi um tsunami” Erasmo Carlos.

Acabou. Ou melhor. Começou. Comecei a viver do rock ´n roll.

Me tornei critico profissional do gênero e de outros, acompanhava shows, gravação de programas, entrevistava os roqueiros da atualidade.

Me  tornei o crítico especializado de rock do país – Nelson Metralha!  Justo o gênero que o Velho Nestor tanto odiava. Minha vida é um paradoxo eterno.

1.968

Despedida Roberto Carlos do Programa Jovem Guarda

Em janeiro 1.968 trabalhando intensivamente, estava a postos para a despedida do Roberto Carlos do Programa Jovem Guarda. Um dia triste porque a chance do programa acabar era grande. E até do movimento.

Ao meu lado, senta uma moça loira de Niterói, simplesmente radiante, apaixonante e magnetizante. O nome dela é Carmem. E tal qual eu sou Nelson por causa do Gonçalves, ela era Carmem por causa da Miranda.

Mais uma vez um dia triste contrapõe com um divisor de águas da minha vida. No dia da morte do meu pai eu conheci o velho e bom rock ´n roll que virou paixão e meio de vida. E no dia que ficou conhecido como o começo do fim da Jovem Guarda eu conheci a companheira da minha vida.  Minha vida é esse paradoxo constante.

 1.973

Casei com Carmem em 1.973. Meus padrinhos, claro, foram Big Boy e Carlinhos Imperial, as duas pessoas que me iniciaram profundamente e me deram os primeiros trabalhos no rock ´n roll. Rita Lee e Lucinha Turnbull da recém formada  Cilibrinas do Eden foram as madrinhas da Carminha.

Cilibrinas do Eden

Na igreja, minha linda Carminha entrou ao som de American Pie, clássico de Don Mclean.

A música relembra o  03 de fevereiro de 1.959 e por causa dela esse dia virou o Dia que o Rock Morreu. O compositor  Don alega que trabalhava como entregador de jornal quando viu a noticia da  morte de Buddy Holly –  “February made me shiver/with every paper I’d deliver” — “Fevereiro me dava calafrios / A cada jornal que eu entregava”.  Tal qual a mim, isso marcou profundamente a vida do artista.

 

Tem uma frase que diz que quem ama o rock sempre chora no dia 03 de fevereiro.

Mick Jagger e Paul McCartney apontava Buddy Holly como suas referências. Alguns dizem que Holly era mais importante que Elvis na época. Além de front-man era um grande guitarrista e tinha 23 anos no dia do acidente.

Já Ritchie Valens levou a influência mexicana para o rock. Viva La Bamba! Partiu com 18 anos.

The Big Bopper era o mais velho, com 29 anos. Era um dos pioneiros do rock e deixou uma legião de fãs.

Eu e Carminha resolvemos homenagear os três imortais do rock escolhendo American Pie para ser o tema do nosso matrimônio. E a banda da festa bancada por Imperial tinha no seu set list só clássicos dos três, mais Jovem Guarda, Beatles, Beach Boys, Stones e uma pitada da turma do Clube dos 27 que há pouco tempo tinha nos deixado – Hendrix, Morrison e Janis.

Carminha arrebentou na execução de Mercedes Benz. Eu arranhei um Black Bird solo meio melancólico. O amor e conhecimento pelo rock ´n roll se tornou de bom nível mas o talento para execução dele era medíocre.

2.024

Agora aqui estou eu prestes a completar 80 anos. Estou contando a vocês todo animado,  mas na verdade acabei de saber que estou com um problema deveras oncológico no pulmão. Resquícios de 60 anos de Marlboro para o corpo. E o tratamento começou agora em 2.024.

Espero estar bem para continuar comemorando com os amigos e familiares. Bom, aqueles que ainda estão vivos e  cheio de graça,  porque muitos já partiram para o andar de cima.

Meus mentores Big Boy e Carlos Imperial partiram cedo. Imperial morreu com 56 anos de uma doença rara. Big morreu com 34 anos, em 1.977 de infarto. A morte do Big foi um dos dias mais tristes da minha vida. Big e Imperial estarão sempre nas nossas memórias por aqui

Rita também! A querida Rita Lee partiu faz um ano né. Deu uma sensação que a Rita “partiu feliz”. Tem que ter cabeça muito no lugar para conseguir esperar a morte com serenidade.

Minha mamãe Jandira ficou comigo até 2010. Morreu dormindo, tranquilamente, sem sofrimento. Uma morte jóia também!

O meu amor, a minha Carminha continua comigo. Está aqui do meu lado enchendo meus pacová falando que nem no tratamento eu paro.

E parafraseando de novo minha comadre Rita, mas se enquanto estou vivo e cheio de graça talvez eu ainda faça um monte de gente feliz.

E nesse chove ou não molha, eu vou é cuidar mais de mim porque eu quero continuar a conversar com vocês…

Meu nome é Nelson Metralha! Conheci o rock ´n roll “no dia em que ele morreu” e no mesmo dia que perdi o meu Velho Nestor! ´

E aos poucos vou contando passagens da minha vida…

E a minha vida é um paradoxo constante.  Abraço a todos e até a próxima!

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Nelson Metralha é roqueiro e escreve periodicamente para o Jauclick

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