Já escrevi um texto com indicações de filmes sobre Papas, que obviamente tocam no assunto fé. Mas esse é bem diferente e até mais difícil, já que um assunto tão complexo e particular, acaba gerando diferentes interpretações. A maneira como eu manifesto minha fé, é diferente da sua e que é diferente das demais pessoas, até mesmo dentro da própria religião.
Para ficar um pouco mais simples para mim, resolvi escrever sobre a fé cristã, já que sou católico e fica mais fácil para desenvolver o que penso e acabar não interpretando e escrevendo coisas de outras religiões podendo ser ofensivo ou ter interpretado de maneira diferente ao que a doutrina prega. Mas a intenção por aqui é boa.
Não tenho a mínima intenção de criticar religiões e a maneira como cada um pensa. São só dicas que tocam em assuntos complicados, mas necessários. Então, bora lá!
Cinema e Fé
Apesar de ter sido lançado em 1962, assisti esse filme somente agora e foi ele que me inspirou escrever esse texto sobre fé. “O Pagador de Promessas” é o primeiro filme brasileiro a ganhar um prêmio de grande reconhecimento internacional, já que ganhou a Palma de Ouro em Cannes no mesmo ano.
Essa obra teve a proeza de tirar “Cidade de Deus” do topo do pódio dos meus filmes nacionais preferidos. E uma das coisas que mais me agradaram, foi assistir ao filme sem ter ideia do que se tratava. Na verdade, eu achava que o filme tinha um foco, mas ele é totalmente diferente do que eu imaginava. Achava que era a peregrinação de um fiel até uma igreja carregando sua cruz para cumprir uma promessa. Longe disso. Em dois minutos de filme Zé do Burro, interpretado por Leonardo Villa, e Rosa, sua esposa, interpretada por Glória Menezes, já estão na frente da igreja de Santa Bárbara.
O filme fala muito sobre intolerância religiosa e das diferentes maneiras em que a fé pode ser interpretada e como ela é usada pelas autoridades religiosas. Em um certo momento, um arcebispo vira para o padre da igreja de Santa Bárbara e diz que “hoje em dia, é impossível desvincular decisões religiosas de política”.
Poxa, quer algo mais atual do que isso?
Há diversos outros personagens ótimos, como o garanhão conhecido como Bonitão e o jornalista sensacionalista do jornal local. É bem interessante como a fé de uma pessoa simples é tratada com o devido respeito.
Em nenhum momento é questionada a intenção do protagonista, mesmo com sua promessa beirando a banalidade e que facilmente percebe-se que não houve milagre na situação em que ele acha que foi contemplado com uma ajuda divina. E na boa, um dos melhores finais mais tocantes que vi até hoje.
Um filme atemporal!
Disponível em: TeleCine.

Se tem uma coisa que é muito feia, é explorar a fé alheia.
Líderes religiosos perceberam isso e conseguem sugar o dinheiro dos fiéis com promessas bem irresponsáveis. E não é só dinheiro. Para conquistar sua salvação, você pode dar uma parte do seu salário ou até sua vida. E para atingir o maior número de pessoas possíveis, nada como usar o alcance da televisão. Vemos isso no Brasil há tempos e nos Estados Unidos não é diferente.
“Os Olhos de Tammy Faye” mostra a maior jornada televisa de exploração da fé até então. Nas décadas de 1970 e 1980 o casal de pastores Tammy Faye Bakker e Jim Bakker tinham a maior rede de tv gospel da época.
Com imenso sucesso o dinheiro veio fácil. Vaidade e luxúria, mesmo sendo algo que vai contra alguns preceitos cristãos, faziam parte da vida do casal. Mas quanto maior o sucesso alcançado, maior o tombo. É desnecessário falar que tal respaldo foi conquistado através de muito delitos fiscais.
Ou seja, o filme trata da ascensão e queda do império televiso gospel do casal. Assim como diz o título do filme, o foco está em Tammy Faye. Interpretada por Jessica Chastain, a atuação lhe rendeu um Oscar bem merecido.
E a vaidade e extravagância da nossa querida pastora também é evidenciada em suas maquiagens em cortes de cabelo, que também rendeu uma estatueta na categoria de Melhor Maquiagem e Penteado.
Disponível em: Disney+.

Se existisse uma religião voltada para endeusar grandes diretores de cinema, provavelmente seria para Martin Scorcese que eu dobraria meus joelhos na hora de agradecer ou pedir algo. Versátil como poucos diretores, foi logo após a doidera cômica e entorpecida de “O Lobo de Wall Street” que Scorcese lançou uma pedrada séria que toca em temas sensíveis sobre imposição religiosa.
Em “Silêncio” temos padres jesuítas vindos de Portugal que tentam catolizar aldeões japoneses no século 17. Nesse período, o catolicismo era proibido no Japão e seus seguidores eram mortos, caso não subjugassem a religião cristã. Nessa que temos nossos protagonistas, dois jovens padres que desacreditam que seu mentor tenha renegado a fé em Cristo e tenha se convertido ao budismo.
E ao se deparar com a situação violenta que os fiéis japoneses convertidos enfrentam, os padres também começam a questionar sua fé, inclusive, o nome que dá título ao filme, tem muito a ver com isso.
Onde estaria Deus que não intervia sobre os fiéis torturados e mortos pela inquisição japonesa? Onde estão as repostas aos questionamentos e dúvidas que os padres tinham ao lidar com situações terríveis? Com uma temática tão complexa, é até compreensível que esse seja dos filmes menos vistos e conhecidos de Scorcese. Mas não é por isso que não seja o menos importante ou até um de seus melhores filmes.
Disponível em: Shock Vídeo Café, acervo próprio e Amazon Prime.

Se a história do protagonista dessa próxima dica não fosse conhecida, iríamos nos deparar com um filme sobre um jovem que é preso e torturado injustamente por simplesmente enfrentar e pregar contra um sistema mantido por poderosos. Só que quem conhece o protagonista de “A Paixão de Cristo” sabe que por trás desse resquício de roteiro, temos um oceano de fatos que enriquecem a narrativa, mesmo não sendo evidenciados. Me lembro muito do lançamento de “A Paixão de Cristo” havia uma certa polêmica os retratar as últimas horas de Cristo com extrema violência. Uma violência gráfica bem explícita, para se falar a verdade. Isso fez com que muita gente torcesse o nariz.
Mas, será não teria sido assim, ou pior, o sofrimento físico de Cristo em seu calvário? Ou será que aquele sofrimento também não queira evidenciar que também está contido ali todo o sofrimento espiritual de Cristo estar carregando os pecados de seus fiéis na cruz que ele carregava, assim como prega a doutrina católica? Ou não seriam essas duas situações? Falado em latim, hebraico e aramaico, temos aqui o projeto da vida do católico Mel Gibson.
E fazer com que os atores e atrizes aprendessem é louvável. E assim como em “Os Olhos de Tammy Faye”, já indicado aqui, a maquiagem é de extrema importância, já que as mazelas físicas vistas no corpo de Cristo acabam evidenciando seu sofrimento e dando a carga dramática necessária para o desenvolvimento do personagem, e como já dito, não é qualquer personagem. Seu sofrimento físico e espiritual tem muita importância na trama.
A cena da crucificação de Cristo é ótima. Carregada de emoção e sofrimento. Há exageros no filme? Claro que sim, mas até aí, qual filme não tem? Um pequeno porém sobre essa questão dos idiomas, é que o filme foi lançado sem dublagem. Quem quisesse ver o filme em seu lançamento teria que assistir legendado e acho que isso prejudicou um pouco algumas pessoas que tivesse alguma dificuldade para acompanhar o filme e a legenda ao mesmo tempo. Mas isso foi compensado ao passar do tempo. Não sei se em tv ou streaming, mas edições em dvd já possuem dublagem.
Disponível em: Shock Vídeo Café, acervo próprio e Netflix.

Há algum tempo no Brasil vem sendo debatido os limites do humor. Alguns alegam que humorista pode tudo e se apoiam na narrativa de liberdade de expressão.
Já outros, acham que alguns assuntos não deveriam ser escrachados ou serem motivos de piada. E questões religiosas seria um desses assuntos, já que um comentário ou piada pode ser considerado intolerância religiosa e isso é crime. Mas tem como fazer um humor bacana com esse assunto, claro que pode ser que não seja do agrado de todos.
Em “A Vida de Brian” temos nosso protagonista nascendo em uma manjedoura simples ao lado de onde nasceu Jesus Cristo. E não há piadas sobre a figura de Cristo, mas há uma crítica necessária as imposições religiosas sobre as pessoas. É tipo “Silêncio”, só que uma comédia.
Você pode ter sua religião, mas você também precisa de opinião própria. Simples assim. A religião que o grupo de comédia inglês Monty Python usou foi a católica, mas poderia ter sido qualquer outra. E eis que temos aqui uma das melhores comédias todos os tempos. A cena do apedrejamento é das melhores do cinema. Um pequeno spoiler.
No contexto do filme, somente os homens poderiam participar do apedrejamento e não sei se isso é um fato, mas elas conseguem dar um jeito de apedrejar a “vítima” comprando barbas falsas em barracas ao lado do local do apedrejamento. Na boa, pode não parecer, mas é hilário!
O filme é ótimo e vale muito a pena ser visto.
Disponível em: Shock Vídeo Café e acervo próprio.

Gostei de escrever esse texto. Rever filmes como “Silêncio”, “A Paixão de Cristo” e “A Vida de Brian” foi bem legal.
Diferentes interpretações sobre o assunto podem aparecer depois de rever um filme após alguns anos. E também mostra como um assunto, seja ele qual for, pode ser mostrado de diferentes maneiras. São filmes com contextos parecidos, mas totalmente particulares em seus desenvolvimentos.
Cinema também é isso.
Ver um mesmo assunto com diferentes visões e ajudando você ter a sua própria interpretação.
Boa sessão e até a próxima